Atual Previdência contribui para a desigualdade, diz Banco Mundial

Setor privado tem 29 milhões de aposentados e déficit de R$150 bi; setor público tem rombo de R$ 77 bilhões para apenas 980 mil beneficiários.

Por Sérgio Ferreira 05/12/2017 - 01:57 hs

Segundo o Banco Mundial, o rombo da Previdência é o maior obstáculo ao ajuste nas contas públicas. No fim de novembro, o banco divulgou uma análise profunda dos gastos do governo e dos programas sociais e sugeriu caminhos para evitar que o Brasil fique condenado à desigualdade e ao crescimento baixo.

De um lado, um país que gastou muito e precisa cortar despesas. Do outro, um dos países mais desiguais do planeta, onde metade dos trabalhadores ganha menos de um salário mínimo. Afinal, é possível ajustar as contas públicas sem prejudicar os mais pobres?

Um estudo do Banco Mundial aponta o desequilibro da Previdência como o principal entrave ao ajuste. Segundo o Ministério da Fazenda, o déficit em 2017 deve chegar a R$ 270 bilhões. Para cobrir o rombo, o governo usa o dinheiro das contribuições e impostos de todos nós e se endivida. Sobra menos para investir em saúde, educação, estradas.

“Hoje, a Previdência engessou o crescimento brasileiro. Por quê? Porque não há mais recurso público para fazer investimento. Nós gastamos em Previdência mais do que a gente gasta com educação, saúde, saneamento e habitação juntos”, disse o pesquisador da Fipe Paulo Tafner.

O relógio joga contra. A cada dia, aumenta a pressão nas contas da Previdência por causa de uma mudança rápida no perfil da população. As mulheres estão tendo menos filhos e os brasileiros estão vivendo mais. O número de idosos vai pular de 26 milhões para 73 milhões em 2060. Hoje, para cada cem pessoas em idade ativa, existem 19, com 60 anos ou mais. Em 2060, essa proporção vai ser de 63 idosos para cada cem. Ou seja, vai ter menos gente trabalhando para pagar as aposentadorias do futuro.

“É um fardo muito grande que nós vamos deixar, se não fizermos reforma, para os jovens que estão entrando no mercado de trabalho, para os filhos, para os netos. O que eles vão dizer: como é que vocês deixaram uma bomba dessa para a gente resolver?”, afirmou Tafner.

Gustavo acabou de entrar. Dárcio está para se aposentar aos 55 anos. Funcionários da mesma empresa, eles estão separados pelos desafios da aposentadoria em duas gerações.

“Acho que eu contribuí dentro da regra que me foi colocada desde o início”, disse Dárcio Reis, que é diretor-financeiro. 

“Acaba que a geração vai ter que compensar um pouquinho as gerações anteriores, até mesmo por causa da maneira que a Previdência Social funciona, em que você paga a geração anterior e assim consecutivamente”, afirmou Gustavo Veloso, auxiliar administrativo. 

O problema é que pelas contas do Banco Mundial, o atual modelo da Previdência contribui para desigualdade. Os técnicos calcularam os subsídios, aquilo que o trabalhador recebe a mais do que contribuiu. Descobriram que 35% beneficiam os 20% mais ricos, só 18% vão para os 40% mais pobres.

“É injusto, porque os benefícios são muito mais do lado da faixa rica do país, do que da faixa mais pobre”, explicou Martin Raiser, diretor de Banco Mundial no Brasil.

“É transferir renda do pobre para o rico. É o Robin Hood às avessas”, declarou Tafner.

O Brasil tem dois sistemas principais: enquanto o privado do trabalhador privado tem 29 milhões de aposentados e déficit de quase R$ 150 bilhões, o do setor público tem um buraco de R$ 77 bilhões para apenas 980 mil beneficiários.

O relatório cita como exemplo o Rio de Janeiro, mas diz que a situação se replica pelo país: um servidor do Judiciário ou Legislativo, contratado antes de 2003, recebe, em média, uma aposentadoria de R$ 13 mil por mês, enquanto no setor privado, metade dos aposentados ganha R$ 1.800. Depois que se aposentam, esses servidores também recebem mais subsídios, em média, quase R$ 235 mil a mais do que contribuíram, contra R$ 9.300 dos aposentados do setor privado que ganham menos. Isso sem falar nos mais pobres, que só conseguem se aposentar por idade, com renda de um salário mínimo.

“É pouco, chega no meio do mês acaba tudo”, declarou uma mulher.

“Eu acho que é injusto, eles ganharem o salário que ganha e nós ganhar o salário que nós ganha”, disse o aposentado José Pereira.

“Os pobres se aposentam mais velhos, mas os segmentos médios e altos do país se aposentam muito precocemente e com valor do benefício bem mais alto. Eles vendem um discurso que isso é um ataque ao trabalhar, quando, na verdade, é um ataque ao privilégio”, afirmou Tafner.

O governo diz que tenta reduzir essa distorção com a reforma da Previdência, em discussão no Congresso. A proposta estabelece limites de idade: 65 anos para homens e 62 para mulheres, na maioria dos casos. Para receber o valor integral, é preciso contribuir por 40 anos.

“Vai pegar deputado, senador, juiz, vai pegar todo mundo, o gari, a empregada doméstica e todos vão estar na mesma regra”, explicou Tafner.

Além de uma reforma, o Banco Mundial indica outras medidas para equilibrar as contas: corrigir o piso das aposentadorias apenas pela inflação e não pelo reajuste do salário mínimo; reduzir as aposentadorias a um percentual de 80% do salário médio, para todos que ganham mais do que o piso de um salário mínimo; aumentar a contribuição previdenciária dos servidores públicos que ganham acima do teto do INSS.

“São pessoas que ganham bem, são pessoas que estão na faixa dos 80% mais ricos do país e são pessoas que poderiam ser chamados a contribuir e solucionar uma crise fiscal que está impedindo o país a realizar o seu potencial econômico”, afirmou Raiser.

A Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e Ministério Público da Uniãocritica as medidas.

“Nós não temos o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço que o pessoal da iniciativa privada tem. Seria uma injustiça com essas pessoas que trabalharam a vida inteira e contribuíram para a Previdência pública”, disse o diretor da Fenajufe, Helenio Barros.

O relatório foi feito em um momento de crise. Mas se a economia crescer, dispensa a necessidade da reforma?

“O crescimento sempre ajuda, mas o crescimento não vai ser estimulado se a política fiscal não tem orientação certa. Se tem incerteza sobre o déficit, se tem o risco de uma explosão da dívida pública, acho que muitos investidores talvez não decidem não investir no Brasil e daqui não vai sair o crescimento econômico”, declarou Raiser.