Chove dinheiro na startuplândia enquanto fluxo para bolsa mingua
Por: Sérgio Ferreira
O capital está cada vez mais aberto a fortes emoções. O que procura? Retorno. Muito retorno. Depois de o fluxo para a bolsa ter sido intenso em 2020, com o saldão de ativos da pandemia, o dinheiro secou com o Índice Bovespa acima dos 120 mil pontos (veja mais sobre isso no fim da matéria). Agora, está abundante — e haja abundância! — apenas para os investimentos privados. As startups de tecnologia são as estrelas do momento, onde os riscos são maiores, mas os retornos possíveis também.
Só nesta semana, e num único dia, o Softbank anunciou três investimentos no Brasil, num total de quase R$ 1 bilhão, nas companhias Único, Omie e Avenue. Todas ligadas ao universo financeiro, de alguma maneira. Porém, foram três de vários outros. O portfólio na América Latina está perto de alcançar 40 companhias, segundo Alex Szapiro, que está à frente dos investimentos no Brasil para o grupo asiático.
“A América Latina tem um PIB per capita que é 4 vezes o da Índia e o dobro do que se vê no sudeste asiático. E a região recebeu muito menos recursos do que essas outras nos últimos anos”, comenta Szapiro, ao explicar a intensidade e a velocidade dos negócios.
Os dados do hub de inovação aberta Distrito apontam que as startups brasileiras receberam US$ 485 milhões só no mês de julho. Em sete meses acumulados de 2021, foram quase US$ 5,7 bilhões. Essa parcial é 63% superior a tudo que foi movimentado em 2020, e já tinha sido recorde.
Alguns fatores, na visão de Szapiro, que também foi o CEO da Amazon no Brasil, antes de mudar o lado do balcão, influenciam nesse momento, como a facilidade do acesso à tecnologia, que está mais disponível aos empreendedores do que nunca. Além disso, há fatores importantes, como os esforços de desregulamentação no mercado financeiro que estão ocorrendo no Brasil e no México. Não por acaso, os três movimentos anunciados nessa semana no Brasil têm relação com esse processo.
Mas esse cenário está distante de ser um privilégio brasileiro. Bem o contrário. Na semana passada, Tomasz Tunguz, um dos diretores da Redpoints eVentures na Califórnia, apontou em sua newsletter que a velocidade do venture capital nunca foi tão alta. “Eu nunca vi um dólar se mover tão rapidamente.”
Tunguz aponta que as aberturas de capital nos Estados Unidos já movimentaram mais de US$ 70 bilhões no ano, até julho, valor que é mais do que o triplo do total anual registrado em 2019 e em 2020. O mesmo recorde ocorre, como consequência da capitalização das empresas, com as fusões e aquisições, que já superaram o volume de US$ 100 bilhões no primeiro semestre de 2021.
Na opinião do gestor, a captação de recursos é recorde, mas o mercado de capitais mostrou que soube acomodar os IPOs dos unicórnios que surgiram na última década. No Brasil, que também já bateu recorde de aberturas de capital neste ano (em volume), ofertas públicas iniciais (IPOs) de startups começam a se tornar uma realidade. A lista de novatas é crescente.
João Brandão, da Bridge One, que está em plena captação de recursos para um fundo de venture capital de R$ 200 milhões, faz coro a Tunguz aqui do Brasil: “nunca se viu nada parecido em fluxo para esse mercado”. Ele aponta que houve uma melhora significativa na qualidade dos empreendedores. “Antes, os talentos queriam ir para o mercado financeiro. Agora, querem empreender.”
Além disso, Brandão aponta que o interesse no venture capital aumentou brutalmente, com uma grande quantidade de family offices interessados em alocar parte de seus recursos nesse estágio inicial de empreendimentos. Para completar, grandes casas tradicionais de investimento em ações, como Dynamo, Constellation, Equitas, entre outras, também fizeram o mesmo movimento: começaram a montar suas próprias carteiras e alocações em venture capital.
“Eles viram o que aconteceu conosco, que investimos na região [América Latina] desde 2019. Dos 10 recentes unicórnios, temos seis na carteira”, comenta Szapiro, do Softbank, explicando o que tem trazido novos interessados para esse mercado de maior risco.
O investimento em empresas mais novas não traz apenas a perspectiva de retorno, traz o contato com tudo que há de novo em desenvolvimento e ainda com os riscos para a “velha economia”. Dá pistas sobre quem serão os sobreviventes e como devem se comportar.
Para Alexandre “Alex” Dias, fundador da São Pedro Capital, ex-presidente do Google e ex-sócio da Victoria Capital, explica, em entrevista ao EXAME IN, que hoje a tecnologia e os sistemas de gestão estão muito mais acessíveis aos empreendedores, além das estratégias fundamentadas em dados. “Nada disso mais é rocket science.” Esse ambiente acaba facilitando o desenvolvimento de novas empresas. “É muito diferente de dez anos atrás. Esse fenômeno veio para ficar, na visão do executivo. Então, de um lado, há mais companhias, com uma gestão e uma estrutura de gestão melhor e, de outro, há mais interessados em investir. “Todo mundo está comprando mais tecnologia. Não tem jeito. No fim, todos estão perseguindo os mesmos investimentos. Os vencedores.”
Soma-se, ao interesse de investidores tradicionais do venture capital e de novos players, o apetite da própria indústria. “As companhias sabem que é mais rápido comprar pronto do que tentar fazer dentro de casa algo que elas sequer sabem”, comenta ele. Que o diga a Magazine Luiza.
Todo esse movimento deve transformar e muito o ambiente produtivo. Quando a tecnologia 5G for uma realidade, isso deve se acelerar ainda mais.
Felipe Mansano, que está à frente do fundo de venture capital da Equitas, dedicado a negócios em estágio inicial, lembra de como o próprio cenário atual termina por ampliar o interesse dos investidores pelo venture capital. "Amazon, Facebook, Apple, Netflix e até mesmo a Microsoft e a IBM já foram startups. Eram empresas muito pequenas que nasceram com muito capital."
O risco está na bolsa?
Enquanto o volume de recursos para startups cresce, o dinheiro para a bolsa mingua. No ano passado, os fundos de ações captaram recursos e as pessoas físicas investiram diretamente no mercado mais do que em qualquer outro ano. Mesmo com a taxa de juros baixa, os fundos de renda fixa estão concentrando a captação de recursos, seguidos pelos multimercados. Os volumes falam por si.
Os fundos de investimento registraram quase R$ 300 bilhões de entrada líquida de recursos em 2021, até o fim de julho. Disso, mais de R$ 140 bilhões foram para as carteiras de renda fixa e R$ 93 bilhões para os multimercados. Os portfólios dedicados a ações acumulam no ano a entrada de apenas R$ 5 bilhões. Para efeito de comparação, no auge do estresse com a pandemia e da incerteza, em março de 2020, os fundos de ações captaram R$ 7 bilhões.
O apetite da pessoa física na bolsa também minguou e na maioria dos meses, os investidores diretos mais venderam do que compraram ações. O estrangeiro, que estava sustentando alguma melhora com o ingresso de dinheiro do fim de 2020, especialmente, tirou mais de R$ 8,2 bilhões em julho, do mercado secundário.
A bolsa está fortemente relacionada às perspectivas para o país, e as incertezas políticas e macroeconômicas, portanto, escalaram nos últimos meses – antecipando a discussão eleitoral de 2022.
Não é que as startups não sofram esse risco. Mas, por enquanto, a sensação unânime entre os investidores desse mercado – de alto risco – é que se trata quase de um outro Brasil, aquele em que o futuro parece mais promissor.
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